Não existe nada de “NOVO” em neoliberalismo

Allan
5 min readOct 4, 2018

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O candidato à presidência e um dos fundadores do partido Novo, João Amoêdo

Há algum tempo eu venho acompanhando o movimento Livres, que surgiu dentro do PSL (Partido Social Liberal) com a intenção de transformá-lo em um partido liberal de fato, se distanciando das práticas dos partidos tradicionais que querem um estado maior e mais poder para os políticos. O Livres também visava se distanciar daqueles que, até aquele momento, se chamavam de “liberais” no Brasil, mas que diziam sempre serem “liberais na economia e conservadores nos costumes”. Estes são, na verdade, neoliberais, mas como aqui no Brasil nunca tivemos (ao menos não no passado recente) partidos ou movimentos liberais de fato, estes neoliberais acabaram se apropriando da denominação liberal e ficou por isso mesmo. Mesmo com a chegada do Livres, isso ainda não mudou. Ainda há muito trabalho para conscientizar as pessoas sobre o verdadeiro liberalismo.

Após o PSL acertar com Bolsonaro para ser o partido que o lançaria à presidência, o Livres, como um movimento liberal de verdade, que valoriza a liberdade em todos os sentidos, saiu do partido. Atitude coerente do Livres, já que não faria sentido algum um movimento que defende a liberdade permanecer em um partido que acolheu um candidato que defende a tortura e a repressão de opositores.

A partir daí o Livres começou sua saga para encontrar um novo partido, através do qual lançaria seus candidatos. Já não dava mais para registrar um novo partido a tempo das eleições, então só restava ao Livres tentar um partido já estabelecido, e este partido acabou sendo o Novo (alguns membros do movimento acabaram indo para outros partidos, mas a maioria foi para o Novo), um partido recém-fundado que disputa suas primeiras eleições gerais em 2018, apesar de já ter disputado as eleições municipais de 2016. Os fundadores do partido foram, em sua maioria, empresários do setor privado brasileiro, e o candidato à presidência lançado pelo partido, João Amoêdo, também um dos fundadores do partido, foi um executivo de sucesso no setor bancário e decidiu entrar na política devido à insatisfação com os políticos tradicionais, com a alta burocracia e a falta de liberdade nos negócios.

Até aí parece que há um match perfeito entre Livres e Novo: ambos defendem um estado menor, possuem a mesma insatisfação com o sistema político, os políticos tradicionais e a falta de liberdade nos negócios. Mas apesar de toda a defesa da liberdade econômica por parte do Novo, o mesmo não é válido para as liberdades sociais. Em entrevista ao Roda Viva, Amoêdo se declarou “liberal na economia e conservador nos costumes”. Como você deve se lembrar do início do texto, esta é a frase que define os neoliberais. Exatamente: o match entre Livres e Novo não é tão perfeito assim, já que o partido não defende as mesmas liberdades sociais que o Livres defende. Amoêdo já disse que não tem como foco combater as desigualdades, e isso é algo absolutamente antiliberal, já que o liberalismo prega a meritocracia: as pessoas devem ser recompensadas pelos seus méritos, não por condições pré-existentes que garantem uma vantagem para alguns indivíduos que, mesmo que não se esforcem, acabam por ter os mesmos resultados que aqueles que se esforçaram graças aos privilégios que possuem. É por isso que países liberais, como os Estados Unidos, taxam as heranças em até 40% (o imposto é progressivo, então para heranças menores a alíquota é menor). No Reino Unido, acima do valor de isenção, todas as heranças são tributadas em 40%. Estes são os países que foram o berço do liberalismo e, por isso, valorizam os esforços individuais e tributam tanto as heranças. (Para comparação, no Brasil o imposto sobre herança varia de 2% a 8%, dependendo do estado, o que tem servido para perpetuar as diferenças em nosso país)

Apesar de serem os berços do movimento liberal, mesmo Estados Unidos e Reino Unido já sofreram na mão de neoliberais. Isso ocorreu, mais especificamente, na década de 1980. Em 1979, Margaret Thatcher assumiu como Primeira Ministra do Reino Unido. Em 1981, Ronald Reagan assumiu como presidente dos Estados Unidos. Suas políticas envolviam o corte de impostos para pessoas físicas (especialmente os mais ricos) e para empresas, cortes no imposto sobre herança e a desregulamentação da economia, na intenção de gerar mais empregos (a chamada trickle-down economics), e uma diminuição dos gastos do estado inclusive em áreas básicas, como saúde, segurança e educação, como forma de não deixar o déficit fora de controle já que, com a diminuição dos impostos, a arrecadação diminuiu. (Mesmo assim o déficit dos EUA triplicou durante os oito anos de governo Reagan)

Durante o governo de ambos, estas políticas pareciam ter dado certo: o PIB cresceu, a geração de empregos aumentou e a economia dos dois países voltou a prosperar. Porém estes empregos novos eram empregos de pior qualidade e que pagavam salários piores. Ao mesmo tempo, o aumento dos lucros decorrente da menor carga tributária nas empresas, não foi para os funcionários, e sim para os executivos, principalmente nas grandes empresas. Uma diferença que só foi aumentando com o tempo e hoje a diferença de rendimentos de um funcionário médio e o CEO da empresa é quase 7 vezes maior do que era no final dos anos 1970. Isso resultou na morte da classe média nos EUA e no Reino Unido, dividindo a população em apenas duas classes: os ricos e os pobres.

As políticas econômicas desta época persistiram até os anos 2000, pois “estavam funcionando”. Até que não funcionaram mais. E então tivemos a crise econômica de 2008, a pior crise econômica mundial desde a crise de 1929. A verdade é que estas políticas nunca funcionaram, mas criaram uma bolha de bem-estar econômico que parecia que nunca iria acabar. Mas toda bolha um dia estoura. E as políticas neoliberais, principalmente aquelas aplicadas pelo presidente do FED de 1987 a 2006, Alan Greenspan, foram apontadas como as principais causadoras desta crise. O que, de fato, foram.

Quando digo que neoliberalismo não tem nada de novo, é a isso que me refiro: políticas neoliberais já foram tentadas há 40 anos atrás, e não deram certo. Não é porque estão em uma embalagem laranja nova que darão certo hoje.

O estado no Brasil precisa ser menor, disso não há dúvidas. Porém o estado também deve ser mais eficiente ao distribuir as oportunidades, garantindo saúde, educação e segurança públicas de qualidade e para todos, de forma que o filho do empresário mais rico do Brasil seja colega de aula do filho do funcionário que recebe o menor salário da empresa. Isto é o verdadeiro liberalismo. Esta é a verdadeira meritocracia. Sem condições iguais, é impossível existir competição. Qualquer um que não se importe em combater as desigualdades e se diga “liberal na economia e conservador nos costumes” não é um liberal, é apenas um conservador que não quer pagar imposto.

MATERIAL COMPLEMENTAR

Episódio do podcast SciCast abordando as diferenças de conservadorismo e liberalismo

Segmento do programa Greg News, da HBO, falando sobre o verdadeiro liberalismo e como ele se contrapõe ao “liberalismo” brasileiro

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